Pacarrete

Em um passado distante eu já fui preconceituoso com o cinema nacional. Só conhecia o que estava em voga pela mídia e na maioria deles era usado aquele humor pastelão derivado da televisão e por isso nunca fui um fã dele. Por causa disso eu não me interessava nem um pouco, mas aos poucos eu consegui encontrar a luz e posso dizer a plenos pulmões, hoje em dia, o quanto eu respeito o nosso cinema. Acredito que ainda temos muito a aprender, mas já temos dezenas de obras maravilhosas por aí. Pacarrete é um exemplo desse ótimo cinema que infelizmente a grande maioria das pessoas não tem a mínima sapiência sobre ele.

Sinopse: “Pacarrete (Marcélia Cartaxo) é uma professora de dança aposentada que vive com a irmã Chiquinha (Zezita Matos), em Russas, interior do Ceará. Rigorosa e ranzinza, ela vive limpando a calçada e brigando com quem passa por ela. Seu grande sonho é estrelar um balé para a população local durante a grande festa da cidade, que está prestes a acontecer. Para tanto, ela manda confeccionar uma nova roupa de bailarina ao mesmo tempo em que tenta convencer a prefeitura de seu show. Entretanto, a falta de interesse da população em geral por espetáculos do tipo, logo se torna um grande oponente.”

 

Para minha surpresa, esse filme é inspirado por uma história real. Imagina você ser apaixonado por uma arte que toda a sua cidade despreza ou que não dá o mínimo de valor por ela. Junta isso ao fato de que você é uma pessoa um pouco difícil de lidar. Pronto, temos a grande história de Pacarrete. Ele tem seus momentos divertidos e também tem o seu drama escancarado na tela. Ao mesmo tempo que eu me compadecia com a protagonista, também entendia os habitantes da cidade, principalmente de sua empregada que tinha que ouvir poucas e boas diariamente.

O filme é criado com uma delicadeza muito grande. Nos mostra muita inocência e um ar de poesia visual que nos deixa encantados. Embora achemos nossa protagonista chata, ranzinza e mimada em muitos momentos, em outros, ainda conseguimos nos encantar pela sua paixão ao ballet e comprar a briga da personagem. Muitas vezes já me senti como ela e acho que no fundo todo mundo já se sentiu assim. Como se estivesse sozinha no mundo, apenas por gostar de algo que ninguém ao seu redor também goste. Esse é um tipo de solidão que só quem está na pele entende.

Esse não é um filme dinâmico e por muitas vezes pode cair no viés da contemplação. Eu não deveria falar sobre o ritmo aqui, pois apesar de lento, não incomoda. Sua velocidade morosa nos ajuda a entender o quanto a Pacarrete é solitária, por isso esse fato ajuda a contar a história de uma forma que não estamos esperando. Só disse isso pelo fato de que as pessoas atualmente só gostarem de coisas rápidas, como se algo tivesse que acontecer a cada 5 segundos. Calma, algo mais devagar também pode ser apreciado mais do que imagina.

Tenho que falar também sobre a Marcélia Cartaxo que vive a própria Pacarrete. Ela é incrível e o longa é todo dela e não tem como alguém duvidar disso. Falo isso não só por ela ser a protagonista, mas porque ela arrasa mesmo. Por esse papel, a atriz já ganhou 5 prêmios e é capaz de ganhar mais caso seja indicada a mais alguma coisa. O fato é que ela merece. A cena de abertura do filme é incrível e só por isso eu já daria qualquer condecoração à ela. Por falar na cena de abertura, ela me chamou a atenção pois mostra todos os lados da personagem em uma única sequência que tem lá seus 4 ou 5 minutos.

Um bom filme nacional que deveria ser mais difundido por aí e fico realmente triste que ele não caia no gosto do povo. Infelizmente, só vai parar nas mãos do nicho de cinema, não tendo nenhum impacto no público em geral. Não acho que ele seria uma unanimidade, mas se dessem essa chance, aposto que as coisas seriam melhores. Torço para que o nosso cinema cresça cada vez mais e que tenha uma projeção em maior escala para o público.