Persuasão

Persuasão é um dos romances clássicos da escritora inglesa Jane Austen. Para quem não conhece, o livro conta a história de Anne Elliot, uma mulher que, de acordo com a sociedade da época, ‘passou da idade de casar’. Ela vive para a família, seja cuidando dos sobrinhos ou escutando as mirabolantes histórias sobre nobreza, títulos e beleza de seu pai e irmã mais velha. Um dia, eles perdem a casa em que vivem por causa de dívidas. Se mudam então para um lugar menor, mas alugam a antiga moradia para um oficial da marinha e a sua esposa. Quando Anne mostra a casa para eles, o homem fala que o seu cunhado está vindo para passar um tempo. Para a surpresa da moça, o nome dele é Frederick Wentworth, seu antigo e único amor. Quase ninguém sabe que, há oito anos, os dois eram noivos e que Anne terminou a relação por pressão da sociedade já que o seu amado não tinha dinheiro nem um emprego fixo. O que sobrou para ela é a culpa e para ele a raiva.

No filme da Netflix que estreou dia 15 de julho, uma das mudanças que mais chamou atenção dos fãs é o fato de Anne quebrar a quarta parede. Ela conversa com o público, mostrando os seus pensamentos durante os diálogos. Isso tornaria o filme mais legal ao nos aproximar da protagonista, mas o que acontece é que consegue mudar o jeito e temperamento dela. A Anne dos livros é introvertida, quieta e calma. Já a Anne do filme é sarcástica, fala sobre o que sente com facilidade e se expressa de forma clara. Quando que a Anne Elliott do livro ia gritar na janela o nome de Frederick depois de beber vinho?

Sabendo que o longa da Netflix é uma adaptação, dá para pensar que existe uma licença poética para os roteiristas fazerem o que quiserem com uma personagem escrita há mais de 200 anos. Só que o tempo em que foi feito não tira o fato de que transformar a protagonista de Persuasão em uma pessoa completamente diferente distância o filme do seu material original. Seria como se fizessem um remake da saga Harry Potter e colocassem a Hermione Granger como alguém tapada e completamente dependente dos amigos. Não seria legal.

O grande problema desse Persuasão é o roteiro. Eles tentam deixar o filme mais moderno colocando coisas que nós, agora em 2022, lemos ou ouvimos na rua. Quer um exemplo? Onde você veria personagens de um filme de época dando notas para a beleza das outras pessoas? Anne, enquanto conversa com Lady Russell, diz que o seu primo William Elliott é um 10. E ela não confia nos 10. Elizabeth, a irmã mais velha, diz que Anne é uma cinco em Londres, mas quando a família se mudar para Bath, será uma 10. Existiam outros jeitos de modernizar uma história feita em 1817.

Para quem leu o livro, o filme é uma decepção. Deu para perceber que não falei das atuações, não é? Os atores não podem fazer nada quando o roteiro não ajuda. Dakota Johnson, a Anne Elliott dessa versão, parece se divertir durante as cenas (pelo menos alguém estava feliz). Seu co-protagonista, Cosmo Jarvis, dá um ar de preso ao capitão Frederick deixando parecer que ele estava se segurando o filme todo. Para que você me pergunta? Também não sei. O outro lado do triângulo amoroso (que dura 15 minutos no filme, mas vou falar disso daqui a pouco), o primo William Elliott de Henry Golding, não se esforça muito para um papel que não parece difícil. Retratar alguém arrogante, prepotente e narcisista não deve ser complicado. Mas quem se destaca mesmo durante o longa é Richard E. Grant, que faz o pai de Anne. Todas as cenas em que o ator aparece são divertidas. Um alívio cômico muito pequeno para as horas de indignação.

Por falar em duração, o filme tem uma hora e cinquenta. Se comparado com o outro Persuasão, o telefilme da ITV feito em 2007 e protagonizado por Sally Hawkins e Rupert Penry-Jones, esse novo tem vinte minutos há mais. O que, como é possível ver, não foi uma coisa boa. Existia tempo de sobra para aprofundar os personagens, dar uma importância para o sofrimento de Anne e a dita raiva de Frederick, mas para que fazer isso quando se pode usar o tempo para mostrar a protagonista bebendo?!