Luciana Costa entrevista Paulo Henrique Fontenelle

Um dos maiores e mais talentosos documentaristas do país em uma entrevista exclusiva. Paulo Henrique Fontenelle fala sobre seus filmes, projetos, curiosidades e muito mais.  Confira aqui no Cinemzatizando tudo sobre seus premiados filmes “Mauro Shampoo”, “Loki”, “Cassia” e o seu favorito (e meu também) “Dossiê Jango”.

Acho que saber que  as pessoas se emocionaram com o seu trabalho é a maior recompensa que um cineasta pode ter independente se isso vai gerar prêmio ou não.

 

 

Qual dos filmes te deu mais satisfação em fazer?

É muito difícil escolher. Cada filme que eu fiz foi uma experiência única de transformação. São anos dedicados á cada projeto, mergulhando em universos que jamais conceberíamos antes. Todos tiveram a sua particularidade e o seu grau de aprendizado e todos representaram uma transformação pessoal muito grande. Mas se eu tivesse que destacar um acho que seria o “Dossie Jango” por mexer com lembranças muito pessoais. Eu cresci na época do regime militar ouvindo historias e convivendo com o clima de tensão da época. Poder ter viajado pela America Latina remexendo nesse passado e conhecendo pessoas que sofreram na pele os horrores das ditaduras em nosso continente foi uma experiência enriquecedora e muito particular. Fico feliz que o  filme tenha ajudado a chamar a atenção para esse período, e de algum modo, contribuído para reabrir as investigações sobre a morte do João Goulart que ainda continuam em curso.

 

 

Você sempre sonhou em trabalhar com cinema ou essa profissão te encontrou por acaso?

Desde que eu vi “Star War”s no cinema com 7 anos de idade, eu sabia que o cinema sempre seria minha grande paixão e passei a infância e adolescência inteira consumindo filmes de todos os gêneros. O meu grande azar foi que o meu ingresso a faculdade coincidiu com o governo Collor que praticamente extinguiu o cinema brasileiro. Acabei fazendo radio/Tv por se aproximar mais com o que eu queria. Mais tarde, depois de ter me formado em Radialismo e em Jornalismo, eu completei a faculdade de cinema, já trabalhando na área. Comecei como assistente de montagem do Roberto Santucci que na época terminava seu primeiro filme independente. Com ele eu aprendi muito sobre direção, montagem e de como adaptar sua produção ao baixo orçamento. Ainda trabalhei no filme “Belline e a Esfinge” com ele antes de começar a dirigir meus próprios projetos no Canal Brasil e depois no cinema.

 

Você realizou outros trabalhos que não ficaram tão conhecidos pelo público?

No cinema foram esses mesmos, mas já dirigi vários DVDs musicais, shows e programas de televisão. O próprio “Loki” teve origem em um programa que fiz para o Canal Brasil em 2005. Mas no cinema foram esses quatro filmes.

 

Quais outros cineastas, produtores, escritores influenciaram o seu trabalho?

Eu sou viciado em cinema em todas as suas formas. Assisto pelo menos um ou dois filmes por dia buscando referencias ou apenas me divertindo. Meus cineastas preferidos são Paul Thomas Anderson, Socrcese, Woody Allen e Chaplin, cuja autobiografia que li na adolescência foi um divisor de águas na minha vida. Falando mais especificamente de documentários, gosto muito do Errol Morris, Alex Gibney e Herzog. Mas todo o dia eu descubro novos cineastas e escritores que vão trazendo bagagem e influenciando de alguma forma meu trabalho.

 

Qual a sensação de ser indicado à tantos prêmios?

Eu fico muito feliz. Acho que é o reconhecimento do trabalho. E eu fico muito mais feliz ainda quando o prêmio é dado pelo publico. Acho que saber que o as pessoas se emocionaram com o seu trabalho é a maior recompensa que um cineasta pode ter independente se isso vai gerar prêmio ou não. A emoção do publico é que nos faz lembrar o porque de todo o processo e vemos que todas as dificuldades valeram a pena.

 

Vamos falar do seu  primeiro grande filme, “o Mauro  Shampoo”. Qual foi a maior dificuldade encontrada?

“Mauro Shampoo” foi o primeiro filme e eu fiz em parceria com meu amigo Leonardo Cunha Lima. Na época estávamos sem dinheiro e a equipe foi praticamente nos dois mesmo. A grande dificuldade era saber como contar essa historia dentro do orçamento que tínhamos que era nenhum. Com isso, fomos para Recife usando nossas milhas da Varig, ficamos hospedados em casa de parentes, usamos câmeras e microfones emprestados e passamos um mês convivendo com o Mauro para gravar mais de 40 horas de material para transformar em um curta de 20 minutos. Desde o inicio sabíamos que a teríamos que dar tudo de nós para deixar que os problemas financeiros não interferissem na qualidade final do trabalho. Então, caprichamos bastante na fotografia, na montagem e na edição de som. No final, nosso companheirismo e vontade de realizar compensou todo os problemas e o filme acabou sendo premiado em quase todos os festivais que participou. Acho que quando trabalhamos em condições adversas, somos forçados a exercitar mais a criatividade e buscar soluções fora do padrão. Me lembro que após ganharmos três prêmios no Festival do Rio, Mauro Shampoo veio falar para mim emocionado que era o primeiro titulo que ele ganhava em toda a carreira dele. Foi o filme que eu mais me diverti fazendo.

 

No “Cássia”: Maior desafio e o melhor momento quando o filme estava sendo feito?

Acho que o maior desafio do “Cassia” foi saber como contar a historia de uma pessoa e de uma artista tão amada por todos sem que houvesse muitas informações sobre ela. Não havia quase nenhuma bibliografia, ou fonte de consultas que me ajudasse a entender quem foi a Cassia fora de sua persona no palco e o fato dela não estar mais aqui para contar a sua historia, tornava o trabalho mais desafiador. Foram 4 anos de pesquisa, de descobertas de entrevistas e de encontros com os familiares e amigos para poder mergulhar na alma da Cassia e todo esse processo foi muito intenso e modificador. Tínhamos uma equipe muito pequena que se dedicou muito ao filme e todos nós saímos um pouco transformados por essa experiência. Acho que esse momento de união da equipe e a emoção que vivíamos em cada entrevista e em cada etapa do processo são coisas que levarei para sempre.

 

Jango: (maior desafio e melhor momento)

O Filme começou sem um roteiro definido e foi tomando forma à medida que fomos fazendo. Em novembro de 2009 eu acompanhei o Roberto Farias na pesquisa do filme de ficção que ele queria fazer sobre o Jango. Filmei algumas entrevistas para a pesquisa até chegarmos a um ex-agente secreto do Uruguai que dizia ter participado do complô que levaria ao assassinato de Jango. Ali percebemos que isso poderia render um outro filme e decidi fazer o documentário. Aos poucos, fui percebendo que o ex-agente era apenas a ponta do iceberg de uma grande historia repleta de personagens e fatos não esclarecidos. O maior desafio foi juntar esses fatos e ir fazendo quase uma investigação policial a medida em que o  filme ia sendo feito. Então conhecíamos alguém em Porto Alegre que dizia que um amigo no Uruguai podia ter um documento ou contar uma historia reveladora e íamos atrás dessa pessoa. La, ele dava a dica de alguém na Argentina que podia ter outras informações e partíamos rumo a Buenos Aires atrás dessa nova pessoa. Cada entrevista levava a outra e o roteiro foi sendo escrito durante a feitura do filme. Acho que os melhores momentos se davam nessas descobertas, no companheirismo da equipe e na certeza de que tínhamos algo importante para contar.

 

Loki: (maior desafio e melhor momento)

“Loki” foi o primeiro filme. Tínhamos um orçamento e um esquema de produção muito pequeno. Era um projeto pessoal dentro do Canal Brasil, onde eu trabalhava que eu tinha que dividir com minhas outras funções. Por isso, ele foi feito nos fins de semana, feriados, natal, e em qualquer momento de folga do horário normal de trabalho usando o meu próprio equipamento. Outras dificuldades foram às imagens de arquivos. Como não tínhamos orçamento, eu mesmo fiz a pesquisa de imagem me correspondendo com os fãs dos Mutantes pelas comunidades do Orkut e eles me davam dicas de pessoas que poderiam ter fotos ou vídeos antigos. Foi muito bonita essa colaboração e acho que conseguimos reunir um material bem completo sobre a vida do Arnaldo. Acho que o melhor momento de toda essa trajetória  foi o dia da estréia do filme no Festival do Rio quando o publico aplaudiu de pé por mais de dez minutos o filme no final da sessão. Foi o maior aplauso da historia do festival e o Arnaldo pode presenciar aquilo e ter noção da sua importância e da grandiosidade de sua obra e de sua vida. Hoje eu fico feliz que o filme tenha ajudado as pessoas a redescobrirem o Arnaldo e que ele tenha voltado a tocar, compor e a dar shows. Outro dia eu fui numa exposição em São Paulo totalmente dedicada a obra dele e um telão exibia trechos do “Loki”. Fico feliz de ter feito parte dessa historia.

 

Qual grande parceria foi imprescindível para a feitura dos filmes?

O  cinema é um trabalho de equipe e eu tenho tido sorte de ter podido conviver com grandes parceiros nessa trajetória que esse ano completa dez anos. Sempre uso uma equipe muito pequena nos projetos o que faz com que todos se sintam um pouco donos do filme e esse sentimento de amizade e companheirismo continuam sempre depois que cada projeto termina. Das pessoas que eu mais trabalhei junto eu poderia destacar o Carlos Toré que é meu amigo desde a infância que de ator dos meus primeiros filmes em vhs na adolescência,  se tornou um grande sonorizador e fez o som do “Mauro Shampoo” e do “Loki”. Ainda sonho em, um dia,  poder trabalhar junto novamente. E tem também o Marco Moreira que fez câmera e fotografia no “Loki”, no “Dossie Jango” e em alguns trabalhos para a tv. Mas a parceria mais duradoura sempre foi a da Tereza Alvarez que esteve na produção de meus três longas e de quase todos os dvds musicais e programas que fiz para o Canal Brasil. Espero que novas parcerias surjam pelo caminho. São pessoas que, alem de ótimos profissionais, são amigos pra toda a vida e que fazem do meu trabalho ser aquilo que eu faria se eu não estivesse trabalhando.

 

No “Cássia” e “Loki” nos já sabemos, mas você pode falar um pouco sobre à trilha sonora dos outros filmes?

No “Mauro Shampoo”, nós nos baseamos em musicas que ouvíamos e iam surgindo durante as gravações e que faziam parte do universo do personagem. Com o filme pronto, chamei meu amigo Oswaldo Montenegro que compôs alguns temas para o filme, incluindo a musica principal que eu acho sensacional. Me lembro que eu mostrei o filme na casa dele e pedi para ele ir pensando no que fazer, pois ainda tínhamos uma semana para finalizar o filme. Nos despedimos e quando eu cheguei na minha casa, ele me telefonou e tocou a musica inteira para mim com a letra completa. Foi impressionante. O Mauro Shampoo ate hoje se emociona em saber que  o Oswaldo Montenegro fez uma musica para ele.

No caso do “Dossie Jango” usamos uma musica censurada do Gerson Conrad com letra do Paulo Mendonça na abertura do filme e regrávamos uma outra musica proibida da dupla para os créditos finais com a Banda Panamericana que também compôs alguns temas instrumentais para o filme. O restante do filme foi composto pelo talentosíssimo musico Marcos Nimrichter. Para seqüência final eu pedi para ele  fazer uma livre adaptação da musica do Geraldo Vandre e o resultado ficou muito bonito.

 

 Você está trabalhando em algum projeto atualmente?

Esse ano eu produzi um Documentário chamado “O Deserto do Deserto” dirigido pelo Samir Abujanra e o Tito Gonzales todo filmado no deserto do Saara. Deve estrear no segundo semestre nos festivais do exterior. Acabei de montar também um longa chamado “Geração Semente” sobre a cena musical da Lapa no Rio de Janeiro e agora estou me preparando para dirigir o próximo filme. Já tenho dois projetos correndo simultaneamente, mas por enquanto é segredo pois ainda estamos em negociações. Logo que eu puder eu te conto aqui no Cinematizando .

 

 

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