Ao Cair da Noite
Não é de hoje que se comenta que o futuro do terror está no cinema independente, seja ele o norte-americano ou o de outros lugares do mundo. Em meio a esta corrente de obras de orçamento relativamente baixo, uma empresa tem se destacado: a produtora A24. Com sede em Nova Iorque e Los Angeles, esta pequena companhia tem surpreendido o público com os seus filmes de caráter autoral. Entres os seus sucessos mais recentes está, por exemplo, “A Bruxa”, o melhor terror de 2016, segundo boa parte da crítica especializada. Não menos inquietantes, mas de gêneros distintos, “Sob a Pele” (2013) e “O Quarto de Jack” (2015) também fazem parte do portfólio deles. Portanto, cada novo lançamento destes ousados produtores, imediatamente, provoca um estridente burburinho entre os fãs e não seria diferente com Ao Cair da Noite, dirigido e roteirizado por Trey Edward Shults.
A história é toda focada em uma família composta por Paul (Joel Edgerton), Sarah (Carmem Ejogo) e o filho Travis (Kelvin Harrison Jr). Eles vivem isolados, em uma casa, no meio de uma floresta. A rotina deles é espartana. Palavras quase não são ditas durante um jantar. A sala, onde os comensais se alimentam, é iluminada por um lampião colocado no centro da mesa. Findada a refeição, o pai se levanta e retira os pratos para serem lavados. Há um cachorro, Stanley, mas não há televisão, um telefone aparente ou qualquer outra informação que ajude o público a entender o porquê deste cotidiano severo. Até que, uma única pista é dada quando os familiares precisam deixar a residência. Eles usam máscaras, daquelas necessárias quando ocorre um ataque biológico e existe o risco de contaminação pelo ar. Desta forma, fica bastante claro que algo aconteceu no mundo lá fora. Mas o que?
Um dia, esta rotina sofre um abalo sísmico. A casa, que mais parece um forte com tábuas tapando as janelas e trancas nas portas, é invadida por um estranho. Só que eles reagem rápido e conseguem prender o invasor. O seu nome é Will (Christopher Abbott) e, acreditando em suas palavras, ele estava atrás de comida e água para a esposa Kim (Riley Keough, atriz que é neta de Elvis Presley) e o filhinho Andrew (Grffin Robert Faulkner), de apenas cinco anos. Assim, de uma hora para a outra, o trio entra na vida de Paul, Sarah e Travis; e os seis passam a conviver diariamente. Da estranheza inicial a adaptação (quase) total é um pulo. O fato dos novos habitantes serem simpáticos, e de colaborarem nas tarefas domésticos, ajuda. Contudo, como este é, ao menos teoricamente, um filme de terror, esta tranquilidade não poderia durar muito tempo e acontecimentos posteriores mexerão com o estado de espirito de todos.
Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades. Como todo nerd sabe, esta foi a frase que Peter Parker ouviu do seu tio Ben, coincidentemente, após ganhar os poderes que o transformariam em Homem-Aranha. E ela serve perfeitamente para a A24 e os seus filmes. Com a fama advinda da popularidade e da qualidade de suas obras anteriores, havia uma enorme expectativa em relação a esta película. Nos Estados Unidos, alguns críticos disseram que era o novo “A Bruxa”, assim o risco de decepção é elevado, já que se espera muito dele. E eu, pelo menos, me decepcionei bastante. Para começo de conversa, excetuando a importância da floresta nas duas tramas e o fato de ambos poderem ser considerados filmes de arte, eles são de gêneros diferentes: o sucesso do ano passado é um terror legítimo, este, por sua vez, está muito mais para um suspense mesclado com um thriller.
Superada a decepção inicial provocada pelas poucas semelhanças encontradas, se há um aspecto em que o longa-metragem de Shults acerta é a construção de clima. Com o suporte da caprichada fotografia de Drew Daniels e um ótimo trabalho de direção de arte, o diretor conseguiu criar cenas verdadeiramente tensas, capazes de mexer com o imaginário dos espectadores. E por falar em imaginário, Travis tem uma série de sonhos perturbadores que, em alguns momentos, se confundem com a realidade, nos deixando sem saber o que é real e o que é imaginação. Os atores também, especialmente Joel Edgerton, estão bem. Seus personagens foram construídos com esmero, de um jeito que seus respectivos dramas soam críveis. O problema é que tudo isto é sabotado por um fiapo de história.
Finais abertos, subtextos que levem o público a pensar e a chegar as suas próprias conclusões, são coisas excelentes e extremamente bem-vindas, mas existe um limite aceitável (e não escrito) para isto. O grande defeito de Ao Cair da Noite é que sua trama vai do nada a lugar nenhum. Ele não só termina de forma abrupta e inconclusiva; como começa de maneira semelhante. O que aconteceu lá fora, o que levou aqueles seis indivíduos a ficarem confinados ali, naquela casa no meio do nada, não é sugerido nem por meio de pistas. A partir daí, qualquer elucubração sobre o contexto que a história está inserida é meramente pessoal. Teorias sobre terrorismo e sonambulismo são aceitáveis, porém, intransferíveis. Desta forma, a impressão é que temos apenas a tensão pela tensão, o susto pelo susto, sem uma razão concreta para existirem. A mim, particularmente, não convence. Há quem se convença.
Desliguem os celulares e boa diversão.
Texto cedido em parceria por Blah Cultural