Trabalhar Cansa (2011)

Tive a chance de rever, no último domingo, com um grupo de amigos e conhecidos, o filme brasileiro Trabalhar Cansa, dirigido pela dupla de cineastas paulistanos Marco Dutra e Julian Rojas. Lançado em 2011, sinceramente, não sei dizer, agora, em quantos cinemas ou quanto tempo ele ficou em cartaz. Para falar a verdade, só ouvir falar dele quando assisti ao segundo longa do diretor, “Quando Eu Era Vivo” (2014), em uma cabine de imprensa com a presença do próprio, que lá estava para um bate-papo com os críticos. Dito isto, é uma pena que poucas pessoas tenham tido a chance de vê-lo em tela grande, pois trata-se de uma excelente obra de terror psicológico com um contexto extremamente atual, mesmo seis anos após o seu debut.

Helena (Helena Albergaria) está prestes a realizar o sonho de ter o seu pequeno negócio. Um mercadinho de bairro. Daqueles que possuem todos os produtos que necessitamos no nosso dia a dia. No entanto, ao chegar em casa após visitar a loja do tão sonhado empreendimento e deixar o contrato de aluguel apalavrado com a corretora, ela descobre que o marido, Otávio (Marat Descartes), acabou de ser despedido da empresa onde trabalhava há mais de dez anos. Entre a prudência que os novos tempos exigirão, sem uma fonte de renda certa, e o sonho ao alcance da mão, o casal opta pelo segundo.

Com o desenrolar da história, a protagonista percebe que a crise que demitiu seu esposo afeta também o poder de comprar de potenciais clientes. São poucas as pessoas que se dirigem ao mercado e realizam uma ou outra compra. Uma senhora reclama do preço do azeite, diz que está pela hora da morte. E se desgraça pouca é bobagem, Helena começa a se deparar com assustadores acontecimentos no interior do seu estabelecimento. Um portão que abre e fecha sozinho, tarde da noite, é só uma destas coisas que funcionam como catalisadoras e amplificadoras da tensão que ronda a atmosfera do filme.

Classificado como suspense e terror, comparado ao clássico “O Iluminado“, de Stanley Kubrick, durante sua campanha de divulgação nos Estados Unidos, a película de Dutra e Rojas vai além dos eventuais clichês que obras do gênero inconscientemente acabam fadadas a repetir e faz terror com fatos do cotidiano. Existe, para um pai, algo mais assustador do que o medo de não conseguir sustentar sua família? Duvido. Otávio está desempregado. No início, ele diz para Helena que logo estará trabalhando de novo. Quando percebemos, os meses voaram, as festas de fim de ano já deram lugar ao Carnaval e nada mudou. Só bicos, comissões e nenhuma renda fixa. Se deve ter sido um horror assistir a este drama, na telona, em 2011, imaginem hoje quando o Brasil atravessa uma crise ainda pior e o número de desempregados só aumenta? Este crítico aqui é, neste instante, um dos milhões de brasileiros sem um trabalho fixo.

Com um baixo orçamento, Trabalhar Cansa se destaca pela inteligência da direção de arte que mexe com objetos cotidianos para criar um cenário digno do clima da trama; por uma fotografia soturna que cumpre o mesmo propósito; e pela interpretação de seus atores, principalmente, Descartes e a menina Marina Flores, que vive a filha do casal de protagonistas. Contudo, há um aspecto que é imbatível: o roteiro, de autoria da própria dupla de realizadores. Sua trama, que equilibra com sabedoria elementos sobrenaturais e as agruras diárias, suscita, pelo menos foi assim entre as pessoas que comigo viram o filme, uma ampla discussão sobre os significados ‘ocultos’ da obra e esta, para mim, é uma das melhores coisas que o cinema pode proporcionar, a transcendência da história para além daquelas meras duas horas que ficamos imersos nela.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

Em tempo: Trabalhar Cansa talvez possa ser considerado o precursor de um subgênero cinematográfico que eu chamaria de ‘realexploitation’. Este seria composto por filmes de terror com um subtexto que remete a coisas reais. Encaixam-se nele, por exemplo, os norte-americanos “Corrente do Mal” (2014), que alude a doenças sexualmente transmissíveis, e “Corra!” (2017), que versa sobre racismo de uma forma absolutamente original.