Pobres Criaturas
“Pobres criaturas” é sem sombra de dúvida o filme mais bizarro da temporada. Os temas abordados são tantos que ao ser feita uma análise pessoal de todos, com certeza algum irá se destacar mais do que outro de acordo com as experiencias individuais, crenças e sensibilidade de cada um, enquanto outros temas talvez passem despercebidos. Indubitavelmente ninguém passa ileso ou incólume por este longa do diretor Yorgos Lanthimos e sua menina de ouro Emma Stone, que já haviam trabalhado juntos no premiado “A Favorita” (2018).
A trama gira em torno de Bella Baxter, uma jovem que tem a mentalidade de uma criança e o corpo de uma mulher, tudo isso graças as experiências do médico e cientista Godwin Baxter (Willem Dafoe), que por sua vez é ele mesmo uma criatura bizarra após ter sido objeto de estudo e diversas experiências pelas mãos de seu pai. Ela o chama de God (Deus em inglês) uma dicotomia interessante já que ele é seu criador ao brincar de Deus, e God é também abreviatura de Godwin. Quando a jovem é apresentada a homens, ela lhes desperta interesse e eles a ela, o que faz com que queria sair da casa onde sempre viveu e conhecer o mundo.
Bella é extremamente sexualizada, o que com certeza choca até o espectador mais liberal. Assim, ela vai conhecendo e experimentando o mundo através de todos os tipos de sensações possíveis. Sua inocência e jovialidade muitas vezes se misturam a tremendas dores causadas por forte empatia. Ela que começa sua jornada como uma menina que nem mesmo sabe falar, andar, ou se comportar em público, a termina como uma mulher completa. Como dizia Simone de Beauvoir “Não se nasce mulher. Torna-se mulher”.
O longa é praticamente um estudo antropológico de como seria uma mulher sem os filtros impostos pela sociedade. Vamos testemunhando o aprendizado de Bella em política, ciência, linguajar, afeto e principalmente sua sexualidade. Há quem se aproveite de sua inocência e a quem se encante querendo ajudá-la a crescer.
Um dos temas mais abordados no filme é o machismo principalmente através do personagem Duncan, magistralmente interpretado por Mark Ruffalo. Os dois vivem um affair, que começa com a curiosidade sexual dela e o fetiche do homem mais velho por meninas jovens e inexperientes, ele sabe que ela tem problemas e não é uma mulher formada por dentro embora seja por fora, mas é justamente isso que o atrai nela e o torna obsessivo. Justamente quando se torna mais culta, mais emancipada, ele rechaça sua mudança de comportamento. Vários outros homens são mostrados como vilões, o próprio Godwin, que é vilão e ao mesmo tempo vítima. Até mesmo o jovem Max, aprendiz de God que se apaixona por Bella, quer se casar com ela e a trata de forma extremamente respeitosa para não tirar vantagem sexual, é um homem extremamente castrado e dominado apesar de seu bom coração.
“Pobres Criaturas” ou “Poor Things”, no original, são os títulos perfeitos para essa história. No frigir dos ovos são todas pobres criaturas. Pessoas a margem da sociedade, experimentos científicos e pessoas extremamente perturbadas e conturbadas que não sabem onde pertencem. Criado como uma espécie de releitura de Frankstein, faz lembrar também “O Curioso Caso de Benjamin Button” reverso.
A história se passa em um mondo parecido com o nosso, mas ao mesmo tempo distópico. Dividido em vários atos de cores diferentes. O primeiro preto e branco, para representar que é tudo que Bella conhece. Outros em azul ou amarelo.
Um filme com mais de duas horas de duração que não são sentidas e prende quem o assiste à poltrona do início ao fim sem conseguir se desviar da tela por um minuto envolto em tanta bizarrice, tragédia, drama e também humor ácido. Stone, Ruffalo, Dafoe e Lanthimos mereciam sair vencedores do Oscar 2024, mas ao que tudo indica, não será esse o ano.