O Paciente: O Caso Tancredo Neves

Existe por aí quem acredite que o cinema, como tantas outras formas de arte, serve apenas como campo de experimentação e inovação. Diante desta crença, modelos convencionais são desprezados e considerados uma expressão artística menor e irrelevante. No entanto, as artes servem a muitos propósitos, inclusive o de retratar períodos históricos de grande significado para um povo. Algumas vezes, experimentação, inovação e este foco em um determinado acontecimento de grande relevo andam juntos. É o caso, por exemplo, da pintura Guernica, de Pablo Picasso. Algumas vezes, não. E isto não torna estas obras menos importantes ou menos necessárias. Na indústria cinematográfica mundial, biografias históricas são comuns. Este ano mesmo, “O Destino de Uma Nação”, de Joe Wright, esteve entre os indicados ao Oscar. Por aqui, filmes assim são pouco produzidos, mas de vez em quando eles aparecem para nos lembrar da importância e da necessidade de valorizarmos a nossa história.

Adaptação de um livro homônimo, O Paciente: O Caso Tancredo Neves, dirigido por Sergio Rezende, acompanha o calvário vivido por Tancredo Neves (Othon Bastos), o primeiro civil a ser eleito presidente do Brasil após duas décadas de ditadura. Em 14 de março de 1985, véspera da posse, ele foi internado às pressas, no Hospital de Base de Brasília, com suspeita de apendicite. O que prometia ser apenas uma rápida cirurgia acabou sendo uma busca desesperada pelo mal que acometia o político. Neste percurso, até a data do óbito, em 21 de abril, pouco mais de um mês depois, o filme desmitifica a ideia de que após a internação o futuro mandatário nunca mais foi o mesmo. Há cenas dele interagindo com a esposa Risoleta (Esther Góes), o neto Aécio Neves (Lucas Drummond), o seu porta-voz Antonio Britto (Emílio Dantas) e outros familiares. Contudo, mais importante do que esta desmitificação é a impressão de que ele queria viver porque tinha um enorme senso de comprometimento com o país.

Concebido como um thriller, o longa-metragem consegue prender a atenção dos espectadores desde as cenas iniciais. Ainda que saibamos o desfecho dele, é quase impossível desgrudar os olhos da telona. A tensão cresce gradativamente até o último frame, graças ao texto afiado de Gustavo Liptzein. O roteirista conseguiu recriar, através de palavras cortantes e diálogos ágeis, o frenesi dos bastidores do poder naquele final de verão e início de outono. Corrobora para esta agilidade o trabalho de edição de Maria Rezende. Filmes históricos que não falem sobre guerras correm o risco de serem monótonos. Fugir desta armadilha é um desafio e é a segunda vez em mais ou menos um ano que isto acontece no nosso cinema. “Real: O Plano por trás da História” possui esta mesma urgência textual e em relação a montagem. Existem semelhanças entre os dois, assim como há com o frenético “Sob Pressão” (2016) que, se não versa sobre História, também constrói sua trama a partir de elementos médicos.

Por falar em médicos, o núcleo formado pelos doutores que cuidam da saúde de Tancredo Neves é extremamente importante para o desenvolvimento do filme. Mesclando personagens reais como Renault Ribeiro (Otávio Muller) e os cirurgiões Pinheiro Rocha (Leonardo Medeiros) e Henrique Pinotti (Paulo Betti); com outros baseados em figuras verdadeiras, são eles que ficam o tempo todo no centro da ação. E a personalidade destes pavões, homens orgulhosos de suas formações profissionais, é bem delineada. Desde o primeiro momento que entram em cena, nos é vendida a ideia de que o paciente poderia ter vivido mais, tomado posse e governado o Brasil, se não fosse uma série de decisões equivocadas. Uma autêntica guerra de egos os conduziu por este caminho errático e fez a democracia recém-nascida quase parar na UTI neonatal. Medeiros e Betti estão ótimos em seus papéis e, às vezes, até ofuscam um pouco a brilhante composição de personagem feita por Othon Bastos.

É provável que O Paciente: O Caso Tancredo Neves seja recebido como comentários xoxos, avaliações medianas e olhado com certa desconfiança por aquela parcela do público que sempre espera algo mais. No entanto, como escrevi lá em cima, obras como estas são necessárias. Sergio Rezende, autor de trabalhos de época do quilate de “Guerra de Canudos” (1996), conseguiu nos transportar direto para aqueles anos 80. Para isto, a caracterização dos personagens (por meio da maquiagem e dos figurinos) e a direção de arte foram de suma importância. Todos estes aspectos são caprichados e feitos com esmero. Em tempos de eleições presidenciais, a tomada final, ao som de “Canção da América” e na voz de Milton Nascimento, pode soar piegas, parecer sentimentalista demais ou evocar um patriotismo barato. Contudo, prefiro acreditar que ela nos faz lembrar que houve um período, nem tão distante assim, em que acreditávamos em políticos e tínhamos uma gigantesca fé no futuro.

Desliguem os seus celulares e excelente diversão.

Por Bruno Giacobbo (Blah Cultural)