O Banquete

Em 25 de abril de 1991, a Folha de São Paulo publicou uma carta aberta ao presidente do Brasil, Fernando Collor de Melo. A missiva, assinada pelo então diretor editorial e um dos proprietários do impresso, Otavio Frias Filho, acusava o mandatário do país de, entre outras coisas, inspirado por estereótipos fascistas, tentar desmantelar os partidos, aniquilar as entidades empresarias, sindicais e intimidar a imprensa. O duro golpe foi deflagrado por causa de um processo movido por Collor contra Frias e mais três jornalistas do veículo. Em uma democracia jovem como a nossa, um gesto deste tipo era algo inteiramente novo e bastante ousado. Era o quarto poder tentando usufruir de sua força. Os bastidores daqueles dias poderiam ter gerado um ótimo filme sobre esta história. Todavia, a cineasta Daniela Thomas preferiu utilizar o episódio em si como inspiração para um questionamento interessante: “Será que os políticos brasileiros não são um reflexo puro e simples da sociedade?” Eis a questão.

Com texto da própria diretora, O Banquete se passa inteiramente na sala de jantar de uma casa luxuosa de São Paulo, no começo da década de 90. Nora (Drica Moraes), editora de um jornal, se prepara para receber um petit comité com o intuito de comemorar os dez anos de casamento do seu chefe, Mauro (Rodrigo Bolzan), com Bia (Mariana Lima), uma importante atriz de teatro. Entre os convidados estão o advogado Plínio (Caco Ciocler), marido da anfitriã, o colunista social Lucky (Gustavo Machado) e a crítica teatral Maria (Fabiana Gugly). De uma maneira ou de outra, todos trabalham juntos ou se conhecem há algum tempo. Ao longo da noite, outros personagens inesperados se unirão a esta celebração. O problema é que nesta inusitada fauna nem tudo é o que parece. Depois de muitos goles de vinho tinto e de um indesejado telefonema informando que Mauro poderá ser preso a qualquer momento por ter chamado o presidente da República de ditador, as máscaras cairão, uma a uma.

Com a requintada ajuda da trilha sonora de Antonio Pinto, que com seus acordes de jazz remete ao trabalho do maestro Rogério Duprat nos filmes de Walter Hugo Khouri, Daniela conseguiu habilmente construir uma imagem de elegância e sofisticação. Ainda que, eventualmente, todos os convivas tenham origens distintas, como mostra uma cena em que alguém chama de francês o prestigiado vinho italiano Brunello, hoje, eles são pessoas cultas e educadas. Só que este verniz de fachada não resiste a página dois. O tal cair das máscaras corresponde ao instante em que começam a revelar suas verdadeiras facetas, graças a bebedeira em torno da mesa e dos pratos chiques que são servidos. Maus modos e papos sobre membros sexuais combinam mais com as novas faces. O Governo de Collor, citado sem subterfúgios no longa, antes de mergulhar em um oceano de escândalos vendia a mesma imagem que nossos personagens vendiam no início da noite. Por associação, um é reflexo do outro.

A bem realizada construção e desconstrução de arquétipos feita pela cineasta, tão importante para o sucesso do filme e para responder ao questionamento proposto, passa ainda pelo uso de outros elementos. O figurino escolhido por Cassio Brasil para os convidados originais do jantar contrasta, por exemplo, com as roupas das duas pessoas que chegam depois. Os modos, pelo menos os iniciais, também. Acontece que, mesmo diferentes, as personagens vividas por Bruna Linzmeyer e Georgette Fedal parecem plenamente integradas àquele grupo e ambiente. Logo, elas são e não são diferentes. São quando nos referimos a imagem que espelham inicialmente; e não são quando focamos em suas essências. O roteiro, cheio de diálogos espirituosos, ágeis e com citações que vão do filósofo grego Platão a Jesus Cristo, este último numa analogia clara a Mauro, que parece prestes a ser “imolado” em nome da democracia, igualmente contribui ao acentuar a pobreza de espírito por trás daquele verniz.

A estrutura teatralizada de O Banquete favorece imensamente todo o elenco, mas é preciso dar especial destaque as atuações de Drica Moraes e Mariana Lima que, lá pelas tantas, põe um guardanapo de pano na cabeça numa referência implícita a farra gastronômica de Sérgio Cabral, em Paris. Através de exaustivos ensaios, Daniela Thomas buscou conferir naturalidade as falas e filmou tudo de uma vez só. No entanto, não há um único plano-sequência. Pelo contrário. São muitos cortes e uma montagem dinâmica que dá vida ao seu mise-en-scène. Apesar da seriedade de sua temática, o filme é uma comedia ácida e debochada. Fazer rir com coisas assim não é fácil e pode gerar desconforto. Afinal, diariamente, somos obrigados a agirmos feito o garçom Ted (Chay Suede) e a assistirmos abobalhados ao teatro da vida sem ao menos termos a chance de olhar na cara de um destes políticos e gritarmos: “Levanta, se você não for preso, ainda temos que salvar este país de merda”.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

Por Bruno Giacobbo (Blah Cultural)