Ainda Estou Aqui
É muito seguro dizer que Ainda Estou Aqui é um dos filmes nacionais mais importantes do século. Não somente por nua notoriedade que vem galgando todos os dias por meio da crítica e pelo seu boca a boca com o público, mas também pela sua temática forte e cruel por quais diversas famílias passaram durante a ditadura militar. Não por acaso é o nosso longa escolhido para disputar um lugar no Oscar de 2025, e vale mencionar que ganhou o Prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Veneza 2024, um dos maiores festivais de cinema do mundo. Baseado no livro de 2015 de mesmo nome escrito por Marcelo Rubens Paiva e dirigido pelo brilhante Walter Salles (Central do Brasil), temos uma produção da qual podemos nos orgulhar e torcer pela frente.
Sinopse: “Rio de Janeiro, início dos anos 1970. O país enfrenta o endurecimento da ditadura militar. Os Paiva – Rubens (Selton Mello), Eunice (Fernanda Torres) e seus cinco filhos – vivem na frente da praia, numa casa de portas abertas para os amigos. Um dia, Rubens é levado por militares à paisana e desaparece. Eunice, cuja busca pela verdade sobre o destino de seu marido se estenderia por décadas, é obrigada a se reinventar e traçar um novo futuro para si e seus filhos.”
A primeira parte do longa é excepcional. Acompanhar cada membro da família Paiva é imprescindível para os contornos dramáticos que irão se seguir. Vê-los felizes, sempre bem humorados e vivendo a vida como deve ser feito nos dará um custo mais para a frente. Aqui, já notamos o quanto o elenco está afinado e o quanto eles funcionam juntos. Nesse primeiro momento é preciso enaltecer o trabalho de Selton Mello (O Auto da Compadecida) que é brilhante. Exala um carisma imenso e isso é importante para as cenas que se seguem. Quando chega o momento em que ele é levado para o interrogatório, é difícil não se emocionar, pois sabemos que nunca mais vai voltar. Esse vácuo de carisma é sentido daí até o fim. Sentimos como se fosse alguém de nossa própria família.
Com a saída dele de cena é que a personagem da Fernanda Torres (Terra Estrangeira) cresce. Eunice Paiva era uma mulher comum que dava amor para os filhos e o marido. Agora, ela precisa se reinventar. Toda a sequência que se segue com ela sendo levada para interrogatório é pesada, triste e vemos um resquício do que foi a ditadura militar para muitas pessoas. Dor, angústia, e a incerteza de onde estão seus entes queridos é de uma dureza avassaladora. Serem tratados como animais e sem ter o mínimo de explicação dói e a sensação de humilhação é grande.
Toda essa tensão sede do meio para o final. O longa dá uma amornada, mas não deixa de ser interessante. Acompanhar uma mãe com 5 filhos que viu sua vida ruir de uma hora para a outra é duro. Fernanda Torres entrega demais nessa parte e faz isso sendo simples. Não existe nenhuma cena grandiosa da qual ela se destaque de forma contundente, porém, o seu choro em silêncio, a sua dor interna, a preocupação com o marido e o futuro dessas crianças está estampado em seus olhos e no modo de agir do início ao fim. A cena do restaurante é emblemática e me fez chorar junto de uma forma natural. Impossível não se emocionar. Ainda tem espaço para sua mãe, Fernanda Montenegro (A Vida Invisível), brilhar nos momentos finais sem dizer uma palavra sequer.
A parte técnica apesar de não ser tão notada é tão boa quanto a sua história. A direção de arte é incrível. Eu prestei muita atenção nesses detalhes atrás de erros e não achei nada. A caracterização de época, no caso anos 70, é perfeita. Os carros, as roupas, até a paisagem remetem ao passado. A direção de Walter Salles também é precisa e muito da emoção que vem dele surge de como a câmera é colocada no lugar certo. Os atores que compõe os filhos também são excelentes. Todos naturais e com um carisma gigantesco.
Ainda Estou Aqui é um grande filme e precisa ser visto. Não só pela grande obra que ele é, mas para entender o passado melhor. As coisas vão ficando para trás e começam a ser esquecidas. Relembrar os erros do passado serve para não repeti-los no nosso presente ou no nosso futuro. A ditadura militar foi um período cruel de nosso país onde ninguém foi devidamente julgado e condenado pelas barbáries cometidas nesse tempo. Isso por si só deveria causar vergonha e comoção, mas ainda tem aqueles que veneram e querem a volta desse regime. Vergonha dessas pessoas e desse passado.