“Noite das Bruxas” é um título que induz o leitor de Agatha Christie ao erro. Ele não é uma adaptação cinematográfica do livro que em inglês se chama “Hallowe’en Party”, escrito em 1969. O roteirista Michael Green (Logan), apenas utiliza alguns personagens do livro para criar uma trama totalmente de sua autoria que em quase nada lembra o livro de Christie. Até mesmo os personagens presentes nas duas tramas ocupam lugares diferentes. A confusão se dá justamente pela tradução, uma vez que o título do filme original em inglês é “A Haunting in Venice” (A Assombração em Veneza) que não é título de nenhum livro. Apesar das histórias não serem muito similares, são inseridas cenas modificadas, mas que fazem referência ao livro.

Na trama, o detetive Poirot (Kenneth Branagh) é convidado por sua amiga, a autora Ariadne Oliver (Tina Feye) para acompanhá-la a uma festa de dia das bruxas numa mansão rica e decadente onde irá ocorrer uma sessão espírita com uma médium. Quando a médium interpretada pela vencedora do Oscar Michelle Yeoh é assassinada, cabe a um aposentado Poirot desvendar quem cometeu o crime.

Quando um romance é adaptado para o cinema, ele não tem a menor obrigação de se virtuoso e fidedigno ao livro, uma vez que são mídias diferentes. Porém, é considerado de bom tom para o leitor e fã que se capture algo do original, o que não acontece aqui. O Poirot de Branagh, que o interpreta e dirige o longa se afasta quase que completamente do personagem original. Em todos os livros de Christie que narram suas aventuras, ele é descrito como uma figura peculiar, um homem de estatura baixa, bigode chamativo e cabelos pintados de preto. Fisicamente, Branagh se distancia muito do personagem, o que não seria um problema, vide os sucessos de Albert Finney e Peter Ustinov ao interpretarem o mesmo personagem. Mas aqui, o detetive belga é denso, recluso, atormentado e avesso a amizades até mesmo com Ariadne, que aparece em vários livros como sua amiga intima por quem nutre muita estima.

Para ser aproveitado, “Noite das Bruxas” deve ser visto como um novo mistério do Detetive Poirot, sem qualquer semelhança com o livro. O longa faz parte de uma trilogia iniciada em 2017 com “Assassinato no Expresso Oriente” e 5 anos depois com “Morte no Nilo”, que, infelizmente, não conseguiu manter a excelência de seu predecessor.

Kenneth Branagh é um diretor talentosíssimo, vide “Belfast” (2021). Porém, suas escolhas técnicas de filmagem magistrais, o elenco maravilho e a belíssima fotografia em Veneza não foram suficientes para salvar um roteiro sem sal e com ritmo lento demais quando se tratando de um filme de mistério. “Noite das Bruxas” é muito mais um drama, introspectivo e com cenários artísticos do que um típico filme de mistério. É preciso saber o que se vai ver para conseguir aproveitar a experiencia e não esperar o que normalmente se encontra em outros filmes do gênero.