Coletiva de imprensa do filme A Mulher Rei
Nesta segunda-feira, a vencedora do Oscar, Viola Davis, esteve em coletiva de imprensa no Brasil, ao lado do marido e coprodutor, Julius Tennon, para divulgar seu mais novo trabalho, o filme “A Mulher-Rei”. A entrevista aconteceu no hotel Copacabana Palace. Esbanjando simpatia, sorrisos e até comentários bem-humorados, a dupla falou sobre a importância do filme, racismo, machismo, padrões de beleza, cultura africana e muito mais.
A atriz e produtora começou dizendo que o que mais gostou no Brasil foi a comida e a paisagem, ainda sobre o nosso país, ela disse:
“Nós sabemos que a maioria dos africanos escravizados vieram para o Brasil, por causa das plantações. Do Brasil alguns eram enviados para as Índias e para o mundo. Existe uma segregação na cultura negra. Temos afro-americanos, afro-coreanos, temos os brasileiros. Em alguns pontos nós não sentimos que somos conectados como um todo. Uma das importâncias desse filme é nos conectar como pessoas de cor e a contribuição do Brasil para isso é enorme. Existe uma aura de que há um mistério entre nós, mas o filme nos mostra que temos a mesma origem.”
Sobre os desafios encontrados na produção do filme, Julius disse:
“Nós levamos sete anos para fazer esse filme e muitos desafios ao longo do caminho. Claro que nós contornamos esses desafios, um dos maiores foi apresentar um filme sobre mulheres de cor para Hollywood. É algo difícil e você tem que manter o foco do porquê você quer fazer e como você quer fazer, como queremos honrar essas pessoas. Nós passamos por vários desafios e do outro lado estava o filme e eu acredito que as pessoas de cor vão se sentir mexidas e modificadas para sempre. Eu espero que esse filme crie uma mudança que nós todos queremos ver. “
Viola deu várias declarações sobre a importância da mulher negra ser vista em tela como realmente é, sem as lentes impostas por uma sociedade fenotipicamente branca:
“Em muitos momentos o nosso poder não é visto, nossa beleza não é vista. Um grande problema que mulheres negras enfrentam é que não somos vistas como pessoas importantes, nós não sentimos que temos valor. Mas as agoji (guerreiras africanas que são protagonistas do longa) elas se vêm como importantes. Eu espero que essas personagens ajudem as mulheres negras a se sentirem importantes. As pessoas que forem assistir ao filme vão ser obrigadas a passar 2 horas e 14 minutos assistindo mulheres negras. Acredito que isso signifique demais para nós. “
“As mulheres negras fazem aparições pequenas nos filmes, sempre para fazer um rápido comentário engraçado ou sábio, ou são mães que choram pelos seus filhos assassinados. Sempre que eu vejo uma mulher negra num filme eu penso ‘Uau! Quem ela é?’ mas antes que essa pergunta seja respondida ela some da tela, eu não sei quem ela é, até encontra o nome da atriz é difícil. As mulheres negras são complexas, as vezes elas não são mães ou tias. Mulheres negras tem que ser tratadas da mesma forma que todo mundo. O primeiro passo para erradicar o racismo é entender quem nós somos e que somos todos parte da raça humana, não uma metáfora e precisam existir narrativas que mostrem isso. “
Ao serem questionados sobre como e quando conheceram a história das agojie, Viola respondeu:
Eu só soube da existência das agoji quando começamos o processo de feitura do filme. Sempre ouvi falar das amazonas, mas esse é o nome dado pelos colonizadores. Só soube delas a fundo em 2018 quando começamos a estudar para o filme. Eu tenho me esforçado muito para não dizer amazonas, dizer agoji. Só usamos um livro para a pesquisa as “Amazonas da Esparta Negra”. Como mostrado no filme, as agoji eram as indesejadas, as jogadas fora, mais uma vez as mulheres negras são jogadas fora. Elas eram recrutadas entre 8 e 14 anos. Elas não tinham escolha. Você se casava, ou você era agoji, que eram consideradas muito feias para se casar. Elas não podiam fazer sexo, se casar ou ter filhos. No treinamento militar, elas eram treinadas para reprimir toda emoção. Como uma atriz eu sempre me questionava: como você encontra uma forma de viver com tudo isso? Como você canaliza tudo isso em algo bom? Quando eu recebi o roteiro de Dana Stevens, descobri que elas sentiam muito orgulho em proteger aquele reino porque deu proposito e valor as vidas delas, essa é a história. Para mim como artista é sobre como encontramos um jeito de lutar pelo que queremos e descobrir os obstáculos para o que queremos. Existe pouca informação sobre as agoji, só um livro.
Sobre o assunto, Julius Tennon completou:
Assim como a Viola, eu sempre ouvi falar nas amazonas, como elas eram grandes e fortes, mas a beleza das agoji, é que todas essas mulheres tinham diferentes tamanhos e tipos físicos.
Vocês se emocionaram ao fazer “A Mulher Rei”?
Julius: “Muitas vezes. Eu sou filhinho da mamãe, e minha mãe sempre me disse que mesmo quando ela estava errada, ela estava certa. Como um homem solteiro que por 16 anos criou dois filhos sozinho, era minha responsabilidade, meu dever, eram as minhas crianças. Então, o que aprendi com a história do filme é como essas mulheres eram muito conectadas, como elas se sacrificavam umas pelas outras, esquecendo a dor para se unir, isso é muito bonito e te acerta direto no coração. “
Viola: “Isso foi uma alegria na minha vida. Passei 10 anos estudando atuação e eu sempre interpretei papeis de mulheres brancas e lá estava eu tentando me encaixar no que as pessoas acreditam ser uma mulher, no que as pessoas consideram ser bonita e eu nunca me encaixei. E de repente eu estava no meu mundo. Eu estou interpretando uma personagem em que eu posso usar a Viola como base e o motivo pelo qual eu escolhi esse filme, é porque a Nanisca (sua personagem) diz coisas como ‘o monstro que eu vejo nos meus sonhos sou eu’. Com uma espada na mão cortando a cabeça de soldados, dizer coisas como ‘Me desculpe por eu não ter sido corajosa o bastante’. A complexidade do que significa ser uma mulher negra. Isso que me tocou. A mulher que está me emocionando na tela sou eu, e isso era todos os dias. “
Sobre a importância do filme, Viola aproveitou para falar da falta de oportunidade e das críticas desferidas as mulheres de cor:
“Eu sempre uso o exemplo das grandes atrizes que eu conheço ao longo dos meus 33 anos de carreira como Meryl Streep, Julianne Moore, Helen Mirren, a lista é longa, e o motivo pelo qual nós sabemos que elas são grandes atrizes é porque elas tiveram oportunidade de mostrar isso. O poder da arte é que a arte imita a vida, tem um senso comum em todo lugar de que mulheres negras não são tão dignas quanto elas. Usam todo tipo de crítica de que a sua pele é muito escura, que seu nariz é muito largo, uma vez uma pessoa me disse do nada, foi do nada mesmo ‘você sabe que não é bonita né?’ Eles podem te dizer tudo que você “não é” com impunidade. Por isso é importante ter personagens como Nanisca, Izogie, Nawi, Amenza e todas elas. A vida imita a arte e vocês precisam saber que nós somos mulheres também, as pessoas não nos enxergarem não é mais aceitável. Eu importo. Desculpe, mas eu importo tanto quando Juliane Moore e Meryl Streep. Não importa que eu não seja loira, ou vista p, ainda assim sou importante. Sou importante para o meu marido. No cinema, tudo que nós criamos reflete. “
O título do filme levantou muitas questões de público e crítica, sobre o assunto, Viola comentou:
“As pessoas se pegam muito na palavra ‘rei’ e se perguntam por que ela não é rainha? Sempre houve líderes do sexo feminino e masculino em Tahome (onde se passa o filme). Minha personagem diz muito ‘Eu sou uma general. Eu mereci. ‘Uma parte minha acredita que mulher rei sugere que existe algo mais nessa história, que essa mulher mereceu. Não uma parceira, não uma vice, uma líder. Como uma mulher, como uma negra, há sempre a sensação de que você é secundária e ver alguém como eu, que se parece comigo, em um poster escrito ‘rei’ sugere algo muito poderoso. “
Sobre o processo de treinamento físico para um filme de ação, a atriz respondeu:
“Eu não vou classificar esse filme como um filme de ação. Acredito que é um drama histórico de ação, acho que reduz o filme classificá-lo como ação. Parte da Nanisca é uma guerreira, então eu tive que me preparar para isso, assim como tive que estudar o dialeto e a parte emocional. Foram 5 horas por dia de treinamento, levantamento de peso, artes márcias, dentre outros. Suando muito, trocando de camisa, levando duas toalhas porque uma só ficava molhada de suor. Horas aprendendo soco, a usar o cotovelo, adorei usar o cotovelo. Eles queriam que eu segurasse a espada com uma mão só, mas eu queria demais usar as duas mãos, meu reflexo era usar as duas mãos. As vezes eram espadas de plástico, mas as vezes era uma espada de 20 quilos.”
Ao ser questionada sobre suas inspirações para dar vida a Nanisca:
“Todos me inspiraram a criar a Nanisca, todo mundo tem segredos. Por isso que tantos relacionamentos não dão certo. Você conhece alguém novo, tudo é empolgante e depois você descobre que só conheceu uma pequena representação no primeiro encontro. Nós somos uma mistura de segredos e traumas, nós não somos donos das nossas histórias. Você sabe quem alguém é? Eu escrevi um livro biográfico, tentei ser o mais honesta possível e ainda assim você só tem 40 % de quem eu sou nele. Essa é a beleza de dar vida a personagens que são seres humanos, nós temos segredos, coisas que não queremos revelar para as pessoas por termos medo de julgamentos e vergonha. Fazendo a Nanisca eu estou fazendo meu trabalho, criando uma pessoa. Normalmente quando eu dou vida a um personagem ele não se parece com uma pessoa, é só uma amalgama de ideias. “
Por fim, os jornalistas presentes queriam saber se ela realmente acredita que este filme irá abrir portas para outros com temáticas parecida. Com isso, Viola foi enfática e devolveu a pergunta:
“Vocês estão perguntando isso para as pessoas erradas. Isso é uma pergunta para, vocês, para o público. Vocês vão gastar seu dinheiro para ver filmes com pessoas como nós na tela? Se vocês não gastarem dinheiro, filmes como esse não serão feitos. As pessoas negras, as mulheres negras, podem ser heroínas de suas histórias como Lara Croft, Viúva Negra, Salt, Capitão America? Se você gasta dinheiro para ver Scarlett Johanson, Bree Larson e Angelina Jolie balançando suas espadas, dando surra em homens, sendo qualquer coisa, então vocês podem pagar dinheiro para me ver ou qualquer outra mulher negra. Mas se você não quiser então é só uma pergunta interessante. Eu acredito que as vezes as pessoas precisam ver para crer, e acho que é isso que “A Mulher Rei” está fazendo. Ver, acreditar, ser afetado por ele e uma vez que você é afetado é difícil voltar atrás. Estou torcendo e rezando para isso.
Para Julius, o grande objetivo do filme é inspirar outras pessoas a criarem narrativas como essa: “A importância de contar essa história é justamente ela nunca ter sido contada antes. Eu espero que com isso, nós possamos ver mais histórias sobre mulheres poderosas. “