The Post – A Guerra Secreta

Iniciada em 1º de novembro de 1955, a Guerra do Vietnã durou, exatamente, 19 anos e seis meses. O saldo final foi a morte de mais de dois milhões de pessoas e a única derrota que se tem notícia dos Estados Unidos, a maior potência militar que o mundo já conheceu, em um confronto bélico. Até aí, hipérboles à parte, derrotas fazem parte do quadro de possibilidades quando você decide se embrenhar no meio do mato e lutar em terreno hostil. Só que esta não é a questão. Durante este tempo todo, os americanos foram governados por cinco presidentes: Dwight Einsenhower, John Kennedy, Lyndon Johnson, Richard Nixon e Gerald Ford. E, com a exceção do último mandatário, a quem coube apenas a melancólica missão de terminar de retirar os soldados ianques do campo de batalha, os outros sabiam que aquela era uma guerra perdida, sem nenhuma chance de vitória.

The Post: A Guerra Secreta (The Post), novo filme de Steven Spielberg, retrata os bastidores desta história escabrosa que foi batizada de “Petagon Papers”. Tudo começou com o vazamento de um documento ultrassecreto, de 14 mil páginas, para o “New York Times”. A fonte do jornal foi Daniel Ellsberg (Mathew Rhys), um ex-militar que trabalhou com o secretário de defesa Robert McNamara (Bruce Greewood). Publicadas as primeiras matérias, o Governo Nixon evocou a “Lei de Espionagem” e conseguiu proibir a publicação dos demais artigos que estavam programados. E foi neste momento que entrou em cena a equipe jornalística do “Washington Post”. Querendo dar o troco, pois eles tinham perdido este furo de reportagem, o editor Ben Bradlee (Tom Hanks) ordenou que seus repórteres fossem atrás dos tais papeis para que pudessem continuar de onde os nova-iorquinos pararam. Dito e feito.

Dois anos após a vitória no Oscar de “Spotlight: Segredos Revelados” (2015), nos deparamos com mais um thriller jornalístico de primeiríssima qualidade. Só que a dobradinha do filme de     Spielberg é, na verdade, com o clássico “Todos os Homens do Presidente” (1976), que não aborda o mesmo assunto, mas mostra outro escândalo (Watergate) em que o “Post” também desempenhou um papel importantíssimo. Existe, inclusive, um personagem recorrente nos dois longas: Bradlee, interpretado por Jason Robards na película de quatro décadas atrás. Jornalistas ou não, os espectadores que forem ao cinema vão se envolver e se deixar levar pela adrenalina da redação de um jornal com facilidade. O velho mestre-cineasta, em plena forma depois de alguns trabalhos não tão brilhantes, conseguiu transformar em algo bastante eletrizante um material que poderia ficar monótono na mão de outro diretor.

Como em qualquer outro thriller assinado por um expert, temos heróis e vilões bem delineados. Não há porque transvergir sobre quem é quem, aqui, tudo é às claras. Entre os bonzinhos estão os defensores de uma imprensa livre e que sirva unicamente ao povo: além do já citado Ben Bradlee, Katharine Graham (Meryl Streep), a dona do jornal que, por pura inexperiência e zelo familiar, hesita um pouquinho na hora de fazer a coisa certa, Ben Bagdikian (Bob Odenkirk), o repórter que consegue o documento para o “Washington Post” e outros menos cotados. Do lado oposto, no time dos malvadões, está o presidente Richard Nixon e o seu estafe. Um detalhe: em momento algum o mandatário norte-americano é mostrado de frente. O que vemos é a sua silhueta na penumbra de uma Casa Branca que, de tão sombria e assustadora, mais parece a Montanha da Serpente. O Esqueleto teria medo dele.

A imagem de Nixon falando ao telefone, dando ordens para que seus inimigos nunca mais pisem na residência presidencial, é apenas um dos belíssimos frames produzidos por Steven Spielberg em parceria com seu velho amigo, o diretor de fotografia Janusz Kamiński (vencedor do Oscar por “A Lista de Schindler” e “O Resgate do Soldado Ryan”, em 1993 e 1998). O filme é composto por uma sucessão de imagens luxuriantes, que desnudam as engrenagens de uma prensa com a mesma beleza que enquadram Kay Graham descendo as escadarias da Suprema Corte dos Estados Unidos, no meio de um corredor humano formado por mulheres de todas as idades. Aliás, esta cena é de um simbolismo impressionante em um longa-metragem estrelado por uma protagonista de fibra e num ano marcado pela luta feminina contra o assédio em Hollywood. Olho vivo para o último frame: ele remete a algo que já citei nesta crítica.

Maniqueísta (quem se importa quando o vilão é um político sujo?), The Post: A Guerra Secreta traz dois veteranos do grand écran gigantes em ação. Meryl Streep e Tom Hanks. Ambos têm atuações dignas de seus melhores dias. Quase todo ano se discute a mesmíssima coisa: se ela é indicada ao Oscar por que merece ou por que é ela? Respondendo a esta pergunta, escrevo sem medo de ser feliz: desta vez, merece. A grande dama do cinema americano alterna momentos de ternura, insegurança e firmeza de caráter com muita naturalidade, construindo, assim, uma personagem crível e bastante real. Em um tom um pouco abaixo, ele também está admirável. Seu entusiasmo e energia são os motores propulsores de, praticamente, todas as tomadas eletrizantes deste filmaço que, por sinal, são realçadas pela senhora trilha sonora composta por John Williams. Sinceramente? Quero ver vocês não se envolverem.

Desliguem os celulares e excepcional diversão.                         


Por Bruno Giacobbo (Blah Cultural)