Oppenheimer

Mal comparando, o mito de Ícaro pode ser um ponto de partida para se falar do trabalho do cineasta britânico Christopher Nolan. Como o jovem grego que sofreu as consequências por voar muito alto, perto do sol, Nolan acaba sendo vítima de certo preconceito por fazer filmes ao mesmo tempo inseridos na cultura pop e demasiadamente autorais. E, ainda por cima, com narrativas intrincadas. Seus projetos costumam se tornar blockbusters, render milhares de dólares e, simultaneamente, ser catalogados por boa parte dos especialistas de veículos relevantes como obras de arte cinematográfica. Pertencer a dois universos tão díspares resulta também, no fim das contas, em críticas negativas, sustentadas por um equívoco que se confunde com a história do cinema. Afinal, por que blockbuster não pode ser um filme de arte?

 

Com “Oppenheimer”, sobre o físico J. Robert Oppenheimer – o criador da bomba atômica –, Christopher Nolan chega ao ápice de seu estilo ao contar uma história real, inspirada no livro gigantesco e de difícil adaptação Oppenheimer: O triunfo e a tragédia do Prometeu americano, de Kai Bird e Martin J. Sherwin. Nolan, também responsável pelo roteiro, transformou a obra de Bird e Sherwin em filme de três horas que é um fenômeno de mais de US$ 1 bilhão nas bilheterias. Lançado no verão americano, época reservada, em geral, para produções comerciais, o longa também vem recebendo prêmios importantes, além de 13 indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme, Direção e Roteiro.

Todos esses feitos foram conquistados sem que o diretor abandonasse seu jeito peculiar de fazer cinema, que, segundo o próprio, é “manipular o tempo da história e a experiência do espectador em relação a ela, demonstrando que suas crenças sobre o mundo são uma questão de percepção”. “Oppenheimer” é um arroubo de inteligência técnica e dramatúrgica que exemplifica com eficiência essa definição do cineasta. Nolan usa suas técnicas preferidas para tratar da efemeridade da vida e do tempo. Com isso, consegue ilustrar magistralmente como J. Robert Oppenheimer, como todos nós, somos muitos pedaços, muitas vezes até incoerentes, que compõem um todo não uniforme. O brilho dessa ousadia tem seu preço, mas, diferentemente de Ícaro, Nolan tem alçado voos cada vez mais extraordinários.