Comédia feita por mulheres no Netflix
Quantas vezes você já viu um show de comédia stand-up feito por uma mulher ao vivo? Eu, pelo menos, nunca. Na verdade, não lembro nem de ver um pôster de show desse tipo pelo Rio de Janeiro – mas também, sou meio distraída. É por isso que, quando um show feito por uma mulher apareceu na tela inicial do Netflix, decidi assistir e fazer um texto para o Dia Internacional da Mulher / Dia Internacional da Luta das Mulheres. A ideia inicial era fazer um Top 5, mas vasculhei toda a página “Stand-Up Comedy and Talk Shows” e descobri que só havia 13 mulheres com shows disponíveis (sendo que duas se apresentam juntas), enquanto havia 58 homens – 12 deles, brasileiros. Delas, sete são brancas, uma é asiática (de herança vietnamita e chinesa), duas são latinas (uma delas também tem origens indígenas) e nenhuma é negra.
Há quem diga que poucas mulheres se dão bem porque não somos tão engraçadas do que os homens (seguindo essa lógica errada e me baseando no catálogo do Netflix, teríamos outra falácia, que brancas são mais engraçadas do que mulheres de outras etnias). Já eu acredito que não há tantas bem-sucedidas porque elas recebem menos destaque justamente por causa dessa ideia sem fundamento. Como eram poucas, me senti no dever de assistir a pelo menos um especial de cada uma para poder, pelo menos, apresentá-las a vocês. Ordenei do meu preferido ao que menos gostei, dando peso a piadas inteligentes, quebra de estereótipos, risadas inesperadas e carisma.
Katherine Ryan
Que surpresa foi o show “In Trouble” (2017, gravado em 2016). Quando começou, não dava para acreditar na apresentação da comediante nem no que saía da boca dela, mas o material foi evoluindo e arrancou grandes risadas. Mãe solteira de uma menina de seis anos, a canadense que vive na Inglaterra fala sobre a cidade em que nasceu, experiências amorosas e celebridades americanas. Atualmente, Katherine participa do programa de auditório “Safeword”, em que é capitã de times de celebridades que tentam humilhar umas às outras.
Garfunkel and Oates
A dupla musical formada pelas comediantes Riki Lindhome (“Garfunkel”) e Kate Micucci (“Oates”) tem alguns sucessos no YouTube como “The Loophole” (uma sátira sobre a decisão de meninas de não perder a virgindade antes do casamento praticando “tipos não-tradicionais” de sexo) e “29/31” (a visão de uma mulher sobre a vida aos 29 e 31 anos). As duas faixas e muitas outras são apresentadas ao vivo em “Trying to be Special” (2016), com um vídeo inserido no meio que exemplifica o humor quase insano das duas. Às vezes, fica difícil acompanhar o que elas cantam, de tão rápido, e de entender as referências. Mas o resultado é genial.
Cristela Alonzo
A comediante é um exemplo do que os americanos chamam de “primeira geração” – fillhos de imigrantes nascidos nos Estados Unidos. No show “Lower Classy” (2017), Cristela fala sobre desafios do dia a dia como ir à academia, a infância pobre que teve e a mãe (praticamente) solteira, mexicana, que criou quatro filhos. Gostei tanto do show que já adicionei a série semi-autobiográfica “Cristela” à minha lista do Netflix. Infelizmente, ele foi só teve uma temporada, mas deu a ela o título de primeira mulher de origem mexicana que criou, produziu, escreveu e estrelou uma série na televisão americana.
Anjelah Johnson
Talvez o nome já dê uma dica, mas Anjelah é uma subcelebridade. Começou como líder de torcida, tentou carreira de atriz e virou viral com o vídeo “Nail Salon” no YouTube. Consolidou a fama com a personagem Bon Qui Qui no programa de esquetes MADtv. Chegou a fazer dois clipes musicais como a personagem, de tanto sucesso, e desde então gravou três especiais de comédia. No mais recente,“Not Fancy” (2016), a americana de origem mexicana e indígena fez piadas sobre a lua de mel com o rapper cristão Manwell Reyes. São sutis, mas boas.
Jen Kirkman
Assisti ao especial mais recente, “Just Keep Livin’?” (2017), e não sinto vontade de assistir a “I’m gonna die alone (and I feel fine)” (2015), porque não vi muito carisma na Jen. Porém, pode ser que eu apenas não me relacione com as experiências dela, uma divorciada de 42 anos que vive muito bem, obrigada. Recomendo para quem passou por um término recente e não está afim de assistir a “Comer, Rezar, Amar”.
Tig
Assisti a “Tig” depois de todos os outros, e descobri que não é um especial – é um documentário sobre a vida da comediante. Mais especificamente, sobre maus bocados que ela passou em 2012 e como superou uma doença séria, a perda da mãe e câncer que a atingiram em poucos meses. Quando chega ao fundo do poço (além das tragédias, ainda leva um pé na bunda), Tig encontra consolo no humor e ressurge das cinzas. O que seria mais um show de rotina viraliza quando a comediante decide falar sobre o diagnóstico de câncer, e ela decide lançá-lo em formato de álbum. O ano seguinte a esse teve reviravoltas na carreira e na vida pessoal de Tig, lembrando-a de como é bom estar viva. Recomendo a quem estiver disposto a passar por uma pequena experiência de catarse.
Chelsea Peretti
Assim como o especial da dupla Garfunkel & Oates, esse tem momentos de quebra do stand-up tradicional – mas é mais esquisito. Assistimos a “One of the Greats” como se estivéssemos na cabeça de Chelsea, com personagens inventados por ela que são invisíveis para a plateia e interações surreais. Além desse toque único, as piadas da estrela de Brooklyn 99 são boas e sinceras – às vezes, a verdade chega a doer. Recomendo por todos os puxões de orelha que ela dá nos comediantes masculinos e no público que rejeita comediantes mulheres, mas se você decidir viver sem assistir a esse show, não está perdendo muito.
Ali Wong
Esse foi o único especial que eu já havia assistido antes de começar a pesquisar para esse artigo, e embora eu não tivesse gostado da primeira vez, gostei da segunda. Em “Baby Cobra” (2016), um especial gravado no sétimo mês de gravidez de Ali, a comediante passa a maior parte do tempo compartilhando a estratégia de encontrar um marido rico para não precisar mais trabalhar. Nesse momento, você pode pensar “nossa, isso é voltar no tempo” – mas a maneira como ela fala mostra que a ideia não é reforçar os valores de uma família tradicional, e sim viver na preguiça. Embora a premissa não soe muito feminista, quem assistir ao show vai entender que Ali é dona de si. De família chinesa e vietnamita, a comediante já fez participações em várias séries e é roteirista de “Fresh Off the Boat” (no ar desde 2015), o primeiro seriado da televisão americana protagonizado por uma família asiática desde 1994.
Amy Schumer
Desde 2015, a carreira de Amy está numa ascensão acelerada, e é sobre isso que ela fala em “The Leather Special” (2017). Lançado essa semana, o especial feito nos moldes de “Inside Amy Schumer” (programa de esquetes comandado por ela) confirma o status da comediante como uma das grandes comediantes da atualidade nos Estados Unidos. Amy passa o tempo todo reforçando a maneira como se expõe na mídia: o oposto de uma dama. Bebe vinho direto da garrafa, arrota e fala sobre sexo sem medir as palavras. No final, aborda um assunto sério que é quase um tabu nos Estados Unidos, controle de armas – algo que se tornou pessoal para Amy quando um homem com problemas mentais e histórico de violência doméstica entrou numa sessão do primeiro filme estrelado por ela, “Trainwreck” (“Descompensada”, 2015), e atirou em vários espectadores. O especial é dedicado às duas mulheres que morreram no tiroteio, Jillian Johnson e Mayci Breaux. Outras nove pessoas foram feridas e o atirador se matou logo em seguida.
Chelsea Handler
Tentei assistir ao especial “Uganda Be Kidding Me – Live” (2014) até o fim, mas não consegui. Aos 39 anos, Chelsea já era conhecida nos EUA pelo senso de humor ácido e pela apresentação do programa “Chelsea Lately”, do canal E!. Embora no dia a dia ela seja uma ativista pelos direitos das mulheres, passa o especial inteiro apenas tirando sarro das pessoas com quem convive. Não acho que valha a pena perder tempo assistindo a esse em particular, mas carisma da comediante me deu vontade de assistir aos dois programas que estreou no Netflix em 2016: o documentário em quatro partes “Chelsea Does” e o talk-show “Chelsea” (cuja segunda temporada estreia em 14 de abril).
Kathleen Madigan
A veterana do grupo é também a que mais se encaixa no estereótipo de classe média americana. Para quem não vive nos Estados Unidos, não há nada demais no especial “Madigan Again”. Ao longo de uma hora, ela conta a experiência de se apresentar para soldados norte-americanos no Afeganistão e histórias com os pais idosos. Embora seja boa, depois de assistir a sete especiais, não vi motivos suficientes para algum brasileiro perder tempo assistindo ao especial quando há um Netflix inteiro à espera.
Iliza Schlesinger
Tentei assistir ao especial “Freezing Hot” (2015), mas não deu. Iliza dá uma cara ao feminismo branco e retrógrado que deveria parar de ganhar espaço na mídia. Fala apenas com as mulheres brancas e reforça estereótipos, tanto o da “mulherzinha” quanto o da “inabalável mulher negra”. E sempre faz isso usando a mesma piada, variando a voz de fina a grossa, com gestos de goblin que nem têm graça. Me sinto estúpida por ter perdido tempo no especial seguinte, “Confirmed Kills” (2016), quando ainda não havia percebido que teria que assistir ao trabalho de 12 mulheres no total. Ainda bem que não fiz o mesmo com “War Paint” (2013). Se você assistir, me conte o que achou nos comentários.