A Chegada – Festival do Rio
Como vocês enxergam o tempo? De forma linear, certo? Cada dia é diferente do anterior, cada acontecimento é único. Aquela velha história da impossibilidade de se banhar duas vezes em um rio, pois a água já não é a mesma. No entanto, ao longo dos séculos, existiu outra maneira de interpretar a passagem do tempo. Os gregos e as civilizações pré-colombianas tinham uma visão cíclica. Eles acreditavam que nenhum evento era absoluto e que, assim como as estações do ano, tudo se repetia. A prevalência de uma visão sobre a outra se deu, principalmente, devido ao predomínio das religiões monoteístas (cristianismo, judaísmo e islamismo) e o entendimento destas de que o homem está em constante evolução (espiritual). E se, durante todos estes anos, estivermos errados? Será que mudaria o jeito como enxergamos, também, a nossa própria vida? Difícil saber, mas isto não impediu o canadense Denis Villeneuve de discutir a questão em A Chegada (Arrival), sua nova obra-prima.
Baseado no conto “Story of Your Life”; de Ted Chiang, o filme mostra o dia em que 12 naves pairaram, do nada, sobre lugares tão diversos da Terra quanto os Estados Unidos, a Venezuela, a China, o Sudão ou Serra Leoa; e como os governos destes países decidiram tentar se comunicar com os visitantes espaciais. Para isto, os americanos escolheram a linguísta Louise Banks (Amy Adams) e o físico Ian Donnelly (Jeremy Renner), dois brilhantes acadêmicos com posições antagônicas. Ela, defensora da ideia de que a linguagem é a cola que mantém as civilizações unidas; ele, de que este é o papel da ciência. Porém, agora, com a missão de unir esforços em prol da nossa civilização. Contudo, esta não é a única história contada aqui. Logo no início e durante toda a projeção, por meio de flashes, descobrimos que Banks é mãe de uma menina chamada Hannah. Inicialmente, estas duas narrativas podem parecer desconexas, mas depois veremos que há uma linda lógica por trás de tudo.
O longa-metragem de Villeneuve é uma ficção científica. Só que ele não é apenas isto. Com tintas dramáticas, as vezes um pouco lacrimejantes, é também uma poderosa fábula sobre o amor e suas vertentes: pela família, pela humanidade e pela profissão.Esqueçam os personagens que estamos habituados a ver em filmes deste naipe: presidentes, generais ou heróis surgidos do nada. Esqueçam, acima de tudo, “Independence Day” (1996). Aqui, a protagonista é uma professora universitária. Uma mulher comum, como eu e você, talvez um pouco mais inteligente. Uma pessoa que treme diante de um desafio, mas que vence seus medos e supera os obstáculos guiada pelo mais nobre dos sentimentos. Em vídeo exibido na abertura do Festival do Rio 2016, o cineasta disse que sua maior inspiração foi “Contatos Imediatos de Terceiro Grau” (1977), de Steven Spielberg e os links são visíveis. Entretanto, é impossível não lembrar de “Contato” (1997), dirigido por Robert Zemeckis. Do mesmo jeito que ocorrecom Banks, é amor que guia a personagem de Jodie Foster neste classico.
Além da direção competente e autoral do canadense, que já nos deu obras de arte e filmaços como “Incêndios” (2010) e “Sicário: Terra de Ninguém”; (2015); e do roteiro envolvente, brilhantemente escrito por Eric Heisserer, não dá para deixar de destacar a fotografia de Bradford Young. Se em “O Ano Mais Violento” (2014), este jovem diretor de 39 anos emulou os tons soturnos do mestre das sombras, como era conhecido Gordon Willis, na trilogia “O Poderoso Chefão”, desta feita, seu trabalho remete ao do mexicano Emmanuel Lubezki, em “A Árvore da Vida” (2011), de Terrence Malick. Esta proximidade pode gerar indagações se Villeneuve não procurou somente imitar Malick. A resposta categórica é não. Apesar de existir semelhanças entre alguns planos e enquadramentos, os diálogos desta reflexiva ficção científica são muito mais pungentes e numerosos.
A Chegada (Arrival) conta, ainda, com um elenco afiado, onde se destaca Amy Adams.A composição da sua personagem foi feita com bastante delicadeza e o resultado, na telona, é uma atuação inspiradíssima. Jeremy Renner e Forest Whitaker, este último na pele do coronel que recruta os dois acadêmicos, estão bem, contudo, é a atriz quebrilha de verdade. Se nada de anormal acontecer, tenho a sensação de que ela pode começar a pensar no vestido para disputar o Oscar pela sexta vez na carreira. As chances do filme em si, da direção, do roteiro e da fotografia são igualmente boas, mas antes de fazermos qualquer aposta, vamos aguardar os próximos concorrentes. Certo mesmo, é que a temporada de premiações está oficialmente aberta!
Desliguem os celulares e excelente diversão.
(Filme visto no 18º Festival do Rio)
Por Bruno Giacobbo (Blah Cultural e Cinema Beer Club )