Gilmore Girls: Um Ano para Recordar
Amy Sherman-Palladino não presta. A criadora de Gilmore Girls, que trabalha em parceria com o marido, Dan Palladino, criou uma droga altamente viciante e soltou-a no mundo para todos consumirem, sem aviso do quão perigosa ela era. Pode até ser que a droga atinja um público bem específico – em sua maioria, feminino, de gente metida a espertinha e que se diverte vendo personagens peculiares cuspirem palavra atrás de palavra na velocidade da luz. Mas não bastasse criar esse universo, ASP nos ensinou que o que Amy dá, Amy tira. É por isso que, em 2006, quando ela e Dan não se entenderam mais com o canal que passava Gilmore Girls nos Estados Unidos, a série não foi renovada, e milhares de fãs ao redor do mundo ficaram sem as visitas semanais a Stars Hollow, lar das garotas Gilmore / terra mágica.
Quase dez anos depois, o Netflix (vulgo aquele-que-fareja-ouro-entre-fãs-desesperados) nos deu mais um ano na vida a Lorelai e Rory – a mãe e filha que conseguem tagarelar mais do que a autora desse texto -, Emily (matriarca das Gilmore), Luke (par romântico de Lorelai) e tantos outros que cativaram nossos corações. Infelizmente, não temos mais a presença de Richard, pai, avô e marido das garotas, porque o autor Richard Hermann morreu em 2014. A morte dele é, inclusive, uma das bases dessa nova temporada. Mas o aspecto mais interessante é como as Gilmore finalmente amadureceram. A bolha em que Emily vivia é estourada quando perde o marido, revelando que dentro da madame há muita força, um traço que era revelado raramente durante a série. Já Lorelai, a força da natureza que sempre viu o mundo em preto e branco como uma adolescente, perde um pouco da certeza que lhe servia como combustível. E Rory, que saiu para se aventurar pelo mundo, descobriu que não era tão especial quanto todos que a criaram lhe diziam.
Ok, você já viu isso tudo nos trailers que o Netflix soltava com requinte de crueldade, enquanto contávamos os segundos para a data de estreia. O que posso dizer, sem spoilers, que você já não sabe? Primeiro, como foram bem feitos esses quatro episódios – além até do padrão Netflix de qualidade. Segundo, que o casal Sherman-Palladino entende de estratégia: Amy ficou encarregada do roteiro e direção do primeiro e do último episódio, chamados Inverno e Outono, mostrando aos espectadores tudo que houve desde o último episódio da sétima temporada, e mostrando que fim quis dar ao ano das Gilmore. Já Dan fez os episódios mais leves, Primavera e Verão, combinando com o tom das estações.
Tudo foi meticulosamente planejado, a começar pelo início em pleno inverno, contrariando a norma de que temporadas devem começar no outono – que é a estação mais “Stars Hallow”, afinal. Como a série é toda escrita em tom de despedida, os fãs precisam que, no seu último contato com a cidade, ela esteja vestida com as cores do outono. E pode parecer que há muita enrolação no meio (principalmente no terceiro episódio, na minha opinião), mas acredito que isso seja uma questão de tempo. Já que Amy e Dan precisaram apertar em quatro episódios longos o que fariam em vários mais curtos, alguns momentos de descontração foram condensados em grandes blocos que tiram a série do plano real para algo quase no nível da fantasia.
A fotografia maravilhosa, com as cores deliciosas da série, é realçada em tomadas supercompridas cheias de movimento. Mesmo quem não conhece muito da cultura americana consegue perceber que há milhares (sem exagero, deve haver mais de mil) de referências escondidas, algumas mais escancaradas. Os diálogos são exatamente como eram há dez anos, tanto que dá para ver como o elenco ainda está se reacostumando a ficar sem ar no começo. E é reconfortante como os personagens secundário ganham seus momento de glória, por mais curtos que sejam. Quanto à história, eu, que finalmente achei que poderia dormir em paz, tive que engolir mais um final aberto criado pela toda-poderosa Amy Sherman-Palladino. E fica meu protesto: essa roteirista/deusa/criadora de universos não presta.
Por Katharina Farina